Artigo: Brasil no divã

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Por: Carlos Galuban Neto*

Em que ponto o Peru se fod**? É a pergunta feita por um dos personagens da obra-prima “Conversa no Catedral”, de autoria do escritor peruano Mario Vargas Llosa. Recentemente, o questionamento passou a servir como uma luva ao Brasil: em que momento as coisas começaram a dar errado por aqui?

Os mais pessimistas dirão que o fracasso está entre nós desde que os portugueses chegaram por aqui em 1500 e começaram a depenar a colônia para sustentar os luxos do império lusitano. A tese é atrativa, e pelo mesmo motivo pelo qual é falha: torna o insucesso do Brasil enquanto nação inevitável, nos eximindo de qualquer escolha que tenhamos feito depois do descobrimento.

Longe de mim ser otimista, mas a verdade é que o Brasil já teve um “fim da história”, aquele momento em que as maiores divergências desaparecem e o país finalmente encontra um senso comum para caminhar rumo à prosperidade, para chamar de seu. Arrisco dizer que tenha sido em algum ponto entre 1994 e 2010, ou seja, entre a implantação do Plano Real e o final do 2º mandato de Lula.

Foram 16 anos de profunda evolução em diversos indicadores: queda da inflação, crescimento do PIB, aumento do número de crianças na escola, consolidação do SUS e, especialmente, a melhora da reputação do país em escala global.

É óbvio que, mesmo com tantas melhorias, o Brasil seguiu longe do clube dos países desenvolvidos, mas ao menos passou a estar mais próximo da Bélgica do que da Índia, em homenagem à feliz metáfora cunhada pelo economista Edmar Bacha.

Mas tinha um 2010 no meio do caminho. As pessoas costumam lembrar de 2014 como uma eleição presidencial polarizada, mas fato é que o pleito anterior já dava sinais de que havia algo de podre no clima do sistema político-partidário brasileiro e, na campanha daquele ano, PT e PSDB, os partidos que haviam liderado os maiores avanços dos anos anteriores, resolveram deixar discussões programáticas de lado para debater quem era mais contrário ao aborto ou qual dos dois estava mais próximo das igrejas evangélicas.

Depois, ainda tivemos o surto coletivo de 2013, os erros de Dilma Roussef na condução da economia e a Lava Jato, operação que, embora tenha cometido diversos abusos, expôs escândalos de corrupção que atingiam em cheio o coração do sistema, ou seja, PT, PSDB e o PMDB, sócio principal de petistas e tucanos nas duas décadas anteriores.

O resultado, bem sabemos, foi a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, polarização que faz aquela entre PT e PSDB parecer briguinha entre irmãos e, como visto em seu ápice em 08 de janeiro, ameaças constantes à democracia brasileira por gente que não sabe perder eleição.

Na próxima terça-feira (27/06), o TSE retoma julgamento que pode tornar o ex-presidente inelegível por 08 (oito) anos. A depender do resultado, pode muito bem se tornar a data que responderá à pergunta: afinal, em que ponto o Brasil parou de se fod**?

*Carlos Galuban Neto é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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